26 de abril de 2011

Mude, plante uma muda


As pernas de Josivaldo pesavam mais do que de costume. O andar era lento e o cansaço aumentava, a cada passo, com o sol forte castigando o couro, feito açoite em tempos de escravidão. Andava ziguezagueando em busca de sombra. Longe dali, Maria Rita aguardava um ônibus para ir para a casa. Cheia de sacolas, lamentava a falta de sombra, o calor e a espera. Lembrou dos tempos de criança, da gostosa Mangueira no quintal da casa da avó. "Aquilo sim era vida", pensou. Mais adiante, José Carlos também sofria com o calor, dentro do carro. O vento quente que entrava pelos vidros abertos não ajudava. Sentia o suor molhar a camisa, escorrer pelas pernas e não encontrava uma sombra para estacionar. Em dias assim, como desejam chuva Josivaldo, Maria Rita, José Carlos, Ana Maria, Clarice, Eduardo, Miguel, Renata, Roberto...

O trecho, embora fictício, ilustra com fidelidade o cotidiano dos ribeirãopretanos que enfrentam no verão temperaturas que variam de 29ºC a 40ºC. Distantes do ar condicionado em casa, no carro ou no trabalho e da piscina no quintal, muitas pessoas se habituaram ao forte calor tropical e nem imaginam que a sensação térmica poderia ser outra se, simplesmente, houvesse mais árvores na cidade. Para quem duvida, vale o teste de uma passadinha pelo campus da USP. Com um terço das árvores do município, o lugar é um dos poucos onde, além da temperatura mais amena, pode-se usufruir da beleza da natureza em uma caminhada.

Com uma topografia tipo "panela", que contribui para a sensação de abafamento, insuficientes áreas verdes públicas e particulares (espaços urbanos livres de edificação e com presença considerável de vegetação e solo permeável) e incontestável falta de consciência ambiental da população e de seus sucessivos governantes, a cidade não consegue atingir o percentual ideal de cobertura vegetal, capaz de manter o clima mais fresco.

"A população ainda não percebeu que a arborização urbana é fator preponderante para resolver grande parte do problema do calor na cidade que está encrustrada em um buraco, é uma cratera e com basalto em seu subsolo, uma pedra escura e extremamente dura, utilizada para pavimentação de ruas, que durante o dia absorve grande quantidade de calor e à noite libera parte dele, retendo o restante. Eu moro numa casa com 12 mangueiras em volta. Se medir a temperatura na casa vizinha, provavelmente estará entre dois e três graus acima da minha", explica o presidente da Sociedade de Defesa Regional do Meio Ambiente (Soderma), Paulo Finotti.

Ainda no "jardim da infância", o Código Municipal de Meio Ambiente, instituído em 2004 pela Lei 1.616, dá os primeiros passos em direção a uma Ribeirão Preto melhor para se viver. Espera-se que, no futuro, a exigência do licenciamento ambiental para o desenvolvimento de novos empreendimentos evite a ocupação de áreas próximas aos rios e o consequente problema de enchentes e que o Relatório de Análise de Risco Ambiental para o Município (RARAM) seja um instrumento efetivo na implementação e manutenção de uma sociedade sustentável.

Enquanto isso, cada ribeirãopretano pode ajudar no processo de urbanização inteligente, preservando as matas ciliares para se ter água para beber daqui a alguns anos e mantendo uma quantidade ideal de áreas verdes para resfriar o ar que todos respiram. Não é necessário ser biólogo, engenheiro agrônomo, ecólogo, nem o mais engajado dos ambientalistas para contribuir. Gestos cotidianos simples são de grande valia para a natureza, como não jogar lixo nas ruas e fazer seleção de recicláveis em casa, evitar uso de sacolas plásticas e não desperdiçar água lavando calçadas e quintais.

"Atitudes verdes" existem e há pessoas mais ou menos ativas atuando nesse sentido. O projeto "Cobertor Verde", por exemplo, implantado em setembro de 2009 pelas secretarias municipais do Meio Ambiente e da Educação com a finalidade de estimular o plantio e ampliar as áreas verdes na cidade já semeou mais de 35 mil mudas.

O projeto organiza plantios permanentes em parceria com escolas e teve sua 11ª etapa realizada no primeiro semestre deste ano, quando alunos participantes do 23º Encontro Regional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo da Regional de São Paulo (EREA), plantaram 100 mudas de árvores no campus do Centro Universitário Moura Lacerda.

"O "Cobertor Verde" está suspenso durante o período de estiagem e reinicia as atividades no dia 21 de setembro, Dia da Árvore. Voltaremos a fazer o plantio em cinco AVP (áreas verdes públicas) e cinco APP (área preservação permanente). Nesse trabalho, contamos com a participação de escolas, entidades religiosas, polícia, bombeiros e todos os voluntários cadastrados dando sempre preferência ao plantio na região leste, de reposição do Aquífero Guarani. Somando o trabalho da Secretaria (15 mil) com o do convênio (35 mil) temos em torno de 50 mil mudas plantadas. No período das chuvas, reavaliaremos esse plantio e faremos a reposição necessária", explica o diretor de gestão ambiental da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Edmur Eodair Manfrin.

Outra iniciativa de educação ambiental tomada pela Secretaria foi a publicação de uma cartilha chamada "Vamos arborizar Ribeirão Preto", que ensina tudo o que é preciso saber para plantar uma árvore corretamente. "A arborização é feita, muitas vezes, sem a mínima condição de progresso, são árvores imensas colocadas em baixo de fios de alta tensão ou então que destroem calçadas, sem haver por parte da população uma procura de qualidade, uma escolha acertada da árvore a ser colocada em frente de casa. As folhas que caem são consideradas sujeira quando na verdade não é nada disso. Ribeirão Preto tem uma porcentagem três ou quatro vezes menor de arborização do que a estabelecida nos setores internacionais que cuidam do assunto. Essa é uma necessidade urgente e a população pode e deve ajudar", comenta Finotti.

Não se pode deixar somente com as crianças a responsabilidade de semear uma cidade mais verde para todos. Tampouco sair por aí cavando buracos indiscriminadamente, sem levar em consideração a seleção de mudas que, preferencialmente, devem ser de espécies nativas para contribuir com a fauna, e sem considerar questões como o porte da árvore em relação à largura das calçadas, canteiros e rotatórias, a localização de redes coletoras de esgoto e água pluvial, e de redes aéreas de fiação elétrica, telefônica e de TV a cabo, além das placas de sinalização de trânsito.

Buscar orientação técnica na Secretaria Municipal do Meio Ambiente ou no Horto Florestal Municipal é a melhor forma de contribuir. Ribeirão Preto possui muitas áreas verdes públicas, como praças e parques, ainda não arborizadas. Esses locais são ideais para o plantio de espécies de grande porte e importantes para diminuir os riscos de enchentes já que, quando vegetados, permitem a infiltração e o amortecimento da força das águas de chuva que escoam pela superfície.

Como explica a bióloga Viviane Gaya Laguna, as árvores são imprescindíveis no contexto urbano. "As pessoas que possuem árvores plantadas nos fundos ou na frente de seus terrenos têm uma sensação térmica de 4ºC a menos do que as demais. A sombra de uma folhagem, que absorve a luz e a transforma, não se compara a uma de concreto ou plástico, que absorve a luz e transmite o calor para baixo", ressalta a bióloga.

Além de oferecer sombra e embelezar, as árvores também reduzem a intensidade de ruídos e a poluição do ar, melhoram o solo, diminuem o impacto da água da chuva, contribuem para a manutenção da fauna e criam lugares agradáveis para encontros, descanso e brincadeiras, transformando parques, praças e ruas em espaços de cidadania que, como tais, merecem toda atenção, respeito e conservação, por seu valor ambiental, paisagístico, histórico, cultural e até turístico.

Na busca pela superação do índice recomendado pela Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU), de 15 m² por habitante de área verde pública, a administração municipal conta com a participação popular, colocando os viveiros públicos à disposição para informações e fornecimento de mudas. O Horto Florestal Municipal - Parque Ângelo Rinaldi pode ser contatado pelos tels.:(16) 3626.0235 e 3626.2659. O CATI - Departamento de Sementes, Mudas e Matrizes através dos tel.: (16) 3626.0235 e 3626.2659.

Arquivo pessoal - matéria publicada na ed. 521 da Revide / confira AQUIFoto: Luciano Firmino Piton

Postado em 28 de Fevereiro de 2011 às 17:02 na categoria Arquivo Y do blog Retalhos

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