26 de abril de 2011

Novos métodos contra a dor




A dor é um sistema de alarme, como a febre, tem a função de indicar que o corpo não está bem. Mas, muitas vezes, este alarme dispara sem necessidade. Avanços científicos provam ser possível e recomendável evitar que o corpo utilize esta verdadeira “arma” contra ele mesmo



Quase um fonema. São apenas três letras que compõem uma palavra com significado de conhecimento geral: dor.

Apesar da aparente simplicidade e da inerência ao homem, nos dias atuais a dor constitui, mais do que um sintoma, um conceito complexo a ser avaliado multidisciplinariamente para ser evitado.

O avanço nos estudos de percepção da dor mostra a necessidade de se instituir, na prática clínica, tudo o que já foi descoberto e que pode contribuir para que as pessoas sofram menos, pois ainda existem profissionais de saúde que subestimam a dor do paciente.

Segundo o coordenador da Liga de Dor de Ribeirão Preto (Lidorp) e docente da faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto (USP-RP), José Geraldo Speciali, o conceito de dor é antigo e errado. “Muitas vezes, a dor persiste mesmo após curada a doença. Hoje, sabemos que isso tem um fundamento neurológico. A chamada dor neuropática precisa ser divulgada. Ninguém mais pode ser obrigado a sentir dor. Há armas suficientes para que isso não aconteça”, afirma Speciali. 
Um paradigma que deve ser abolido é o da compreensão da dor como uma especialidade médica. Praticamente todos os médicos e profissionais da saúde podem e devem estar envolvidos no manuseio da dor.

O conceito de que a dor deve ser combatida com uma abordagem multidisciplinar surgiu nos Estados Unidos por volta de 1940. No entanto, para que se torne uma realidade no mundo, ainda há muitas atitudes a serem mudadas. “Um dos aspectos mais importantes a se compreender no tratamento clínico da dor é que a cura depende de um conjunto de pessoas. Cada ser humano percebe a dor de maneira diversa, por isso, existe a necessidade de se descobrir qual é a sua origem. Só a compreensão social do problema possibilitará a efetiva cura”, explica Sérgio Henrique Ferreira, farmacólogo permissionário do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina da USP-RP.

Na avaliação do coordenador da Lidorp, o profissional da saúde, seja ele médico ou não, preocupa-se em 1º lugar em curar a doença. Embora lógico, o raciocínio de que cessando a causa desaparece o sintoma, o enfoque dos novos estudos defende que o tratamento da doença e da dor sejam feitos ao mesmo tempo, evitando a espera de dias, meses ou até anos para que a dor seja curada.

Nas reuniões da Sociedade Brasileira de Estudos da Dor (SBED), filiada à International Association for the Study of Pain (IASP), são discutidos aspectos físicos e emocionais da dor, além de outras variáveis que também exercem influência como crenças e religiões. Conhecer esses estudos, na opinião de Speciali, constitui o melhor caminho para o profissional que pretende compreender a dor física, em seus mínimos detalhes, e ampliar as opções de tratamentos.

Tipos de dores
Entre as dores mais comuns estão as cefaléias (dores de cabeça), a lombalgia (dores nas costas) e a dor de dente. A última, em função do franco desenvolvimento da odontologia preventiva, deve se tornar cada vez menos freqüente. Entre todas, qual será a dor mais sofrida? Qual será a mais doída: a de uma pessoa que está correndo e sente dor no peito ou a de uma que torce o pé?
Para responder às perguntas, deve-se considerar a preocupação, a angustia e a ansiedade do paciente, associados à possibilidade de infarto que a dor no peito gera, o que a torna mais sofrida. Todas as nuances da interação psicofísica devem ser consideradas na análise da dor. A dor do câncer, por exemplo, acompanhada da certeza da morte e da separação da família, torna o sofrimento do paciente terminal muito maior, enquanto a dor do parto, uma das mais agudas que existem, por estar associada à alegria do nascimento de um filho, torna-se suportável a ponto da mãe desejar engravidar novamente. Abordar a dor mediante parâmetros físicos, emocionais, morais e sociais constitui a melhor maneira de qualificá-la.

Avaliações e Medidas
Ao lado de sua equipe, a pesquisadora da USP de Ribeirão Preto Fátima Faleiros Sousa, também editora da revista Dor: Pesquisa Clínica e Terapêutica (órgão oficial da SBED), elaborou um inventário que inseriu o Brasil no cenário mundial de avaliação e medida da dor. O trabalho pioneiro levou mais de dez anos para ser validado cientificamente. Contém 119 descritores para dor aguda e 119 para dor crônica.

“Iniciamos esse inventário tendo em torno de 500 descritores de dor utilizados, não só pela comunidade nacional, mas pela internacional também. Utilizamos métodos rigorosos para validar esse instrumento. Hoje, ele já pode ser implantado no país para mensurar não só a dimensão sensitiva da dor, que é muito mais complexa. São escalas que avaliam aspectos de emoções, de afeto e de cognição a que a dor está relacionada”, justifica a pesquisadora.

O inventário foi aceito pela Sociedade Portuguesa de Dor como referência para a implantação do quinto sinal vital nas instituições de saúde, junto com as já preconizadas avaliações da temperatura, pulso, respiração e pressão arterial. O somatório desses indicadores, objetivos e subjetivos, propicia uma avaliação mais precisa da dor de cada indivíduo, considerando-a como descrita por quem sente o sintoma.

Tratamentos
Há vários procedimentos para o tratamento da dor neuropática: vias oral, local ou através de bloqueios. A grande novidade, ainda desconhecida de muitos profissionais da saúde, são tratamentos não-invasivos (com medicação) que combatem dores com antidepressivos, antiepiléticos e remédios para relaxamento muscular. Estudos mais aprofundados acerca da ação de medicamentos analgésicos também são ferramentas comuns no combate à dor.

Há 20 anos, o farmacólogo Sérgio Ferreira estuda a atuação de drogas do tipo dipirona no organismo. O especialista descobriu que a droga forma óxido nítrico nos neurônios sensoriais, o que bloqueia diretamente a sensibilização, prevenindo a dor. “A célula normalmente fica em estado de repouso instável. Quando se toma a dipirona ela fica estável”, explica Ferreira. A descoberta do mecanismo torna possível a fabricação de novos medicamentos sem efeitos colaterais. Existem muitas plantas no Brasil com efeitos semelhantes aos da dipirona que podem ser utilizadas para esse fim. A partir das descobertas, torna-se indispensável a participação de empresas com potencial e interesse para industrializar os resultados.
Bebês também sofrem

Se antes era uma pergunta, hoje se tornou uma afirmação. Bebês sentem dor. Instrumentos validados cientificamente para análise facial confirmam: franzimento de sobrancelha, olho espremido, suco naso-bucal, boca na horizontal ou vertical e protrusão (crescimento anormal) de língua são expressões de dor.

Na primeira semana de vida, o bebê exposto a procedimentos dolorosos já apresenta sinais de condicionamento. Há relatos na literatura médica de aceleração dos batimentos cardíacos quando o bebê sente passar o algodão com álcool para a enfermagem fazer a coleta de sangue, o que comprova que, além de sentir dor, o bebê ainda sofre por antecipação.

A docente do Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina da USP-RP, Maria Beatriz Martins Linhares, estuda o desenvolvimento de bebês prematuros, que sofrem diariamente a rotina de cerca de seis procedimentos invasivos dolorosos na UTI Neonatal. Em pesquisa coordenada por Maria Beatriz, recém-publicada pela revista Pain (IASP), foi avaliado o efeito “opióide” (de amortecimento) do uso contínuo de doses de sacarose em bebês prematuros. Houve eficácia para alívio de dor sem efeitos colaterais clínicos.

“Para saber qual o impacto que a dor tem no desenvolvimento do bebê, primeiro deve-se avaliar e intervir no processo doloroso, oferecendo alívio, depois entender o mecanismo de relação da dor com o comportamento”, afirma Linhares. Uma característica comportamental encontrada nas crianças pesquisadas foi a dificuldade de filtrar os estímulos externos, tornando-as mais propensas a desenvolver problemas de irritabilidade e agitação. Para a pesquisadora, lidar com a dor exige instrumentos validados de avaliação, boas intervenções e seleção clara de evidência científica para não se basear em “achismos”. O grande desafio, na opinião dos pesquisadores, está na transferência do conhecimento para a prática clínica.

Matéria publicada na edição 398 da Revide - em 18 de abril de 2008.

Postado em 25 de Abril de 2011 às 16:04 na categoria Arquivo Y do blog Retalhos

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