10 de maio de 2010

Diferenças que somam


Historicamente constituídas e cientificamente comprovadas as diferenças dos gêneros feminino e masculino existem e atuam, desde os primórdios, como uma força propulsora do desenvolvimento da humanidade

Quem nunca ouviu dizer que o homem pensa com o corpo e a mulher com o coração? Em geral, essa racionalização dos gêneros humanos exemplifica - de forma bastante preconceituosa diriam as feministas de prontidão - a noção fenótipa de feminino e masculino.
"Homem é mais frio e objetivo, mulher mais emotiva e complexa". Quando se trata de distinguir os sexos, esse é o primeiro bordão utilizado, o do apelo ao sentimentalismo. Em seguida, inexoravelmente, lança-se mão de argumentos genótipos ou de intelecto. Do tipo que fraciona os cromossomos X em frágeis e os Y em brutais sendo, portanto, mais aptos ao exercício de atividades comunicacionais os primeiros e de liderança os últimos.
Imparcialidade à parte, trata-se de um ‘modus operandi’ nada atrativo, bastante simplista e pouco funcional. Que em nada contribui, por exemplo, com a busca de equilíbrio por meio da oposição dialética dos princípios Yin (passivo, feminino, noturno, escuro, frio, negativo, Terra) e Yang (ativo, masculino, diurno, luminoso, quente. positivo, Céu), proposta pela escola filosófica chinesa.
O campo das neurociências realizou grandes avanços, a partir da década de 1990, no estudo das diferenças entre os cérebros dos homens e das mulheres. Está cientificamente comprovado: nos homens a região no córtex chamada de lóbulo infero-parietal (LIP) é significativamente maior do que nas mulheres, por sua vez, o volume no córtex prefrontal dorsolateral (chamado área de Broca) e no córtex temporal superior (chamado área de Wernicke) é maior nas mulheres. Também existem evidências morfológicas de que enquanto os homens têm mais neurônios no córtex cerebral, as mulheres tem um neuropil mais desenvolvido.
Traduzindo, diferenças concretas entre os cérebros dos homens e das mulheres existem e podem explicar, biologicamente, a notória habilidade mental, nos dois gêneros, para determinadas áreas do conhecimento.
Tais descobertas não implicam, no entanto, em uma relação de superioridade ou inferioridade entre os sexos, ao contrário, vêm constituir mais um importante tópico na lista de vantagens que as diferenças proporcionam. Podem, por exemplo, ser exploradas para o tratamento diferenciado de doenças, entre homens e mulheres, para a personalização da ação de medicamentos ou para utilização de procedimentos cirúrgicos mais precisos.
Não é necessário ser um sábio, como Arquimedes - tampouco sair pelado por ai, gritando "Eureka, Eureka!"-, para concluir que o princípio do desenvolvimento humano parte, justamente, da diferença de gêneros e da soma de suas potencialidades. Antropólogos como Claude Lévi-Strauss e Françoise Héritier acreditam que a diferença dos sexos organiza a sociedade. Mas apesar de a teoria ser óbvia, ainda se vivencia, em pleno século XXI, a inépcia prática da disputa e a misoginia.

Um passo na história
Que se tenha conhecimento, desde o Neolítico (18 mil a 5000 anos a.C) acontece a distribuição de funções entre os gêneros para a sobrevivência da espécie. Quando os grupos humanos se fixaram à terra as tarefas agrícolas e o cuidado com as crianças ficaram sob responsabilidade das mulheres enquanto os homens se dedicavam à caça e à pesca.
Há hipóteses científicas sobre o desenvolvimento de determinadas áreas do cérebro em função dessa distribuição. Para o pesquisador americano do campo das diferenças de gênero David Geary, em termos evolutivos, o desenvolvimento de habilidades navegacionais pode ter tornado os homens mais capacitados para o papel de caçador enquanto o desenvolvimento de habilidades espaciais pode ter capacitado as mulheres para o papel de coletora de alimento perto de casa. Ainda de acordo com Geary, as habilidades verbais das mulheres também podem fazer sentido em termos evolutivos. Enquanto os homens desenvolveram força corporal para competir com outros homens, as mulheres utilizaram a linguagem para argumentar e persuadir.
Essa distribuição funcional perpetuou-se e acentuou-se ao longo da história. Com raras exceções, como na civilização espartana, onde a mulher podia disputar jogos, realizar atividades esportivas, controlar as finanças domésticas e participar da política (pois deveria ser fisicamente preparada para gerar indivíduos aptos para compor o exército de Esparta), o que se viu foi o desenvolvimento do modelo ‘mulheres de Atenas’. Criaturas educadas para serem dóceis e reservadas ao mundo doméstico, subjugadas pelo pai e subserviêntes aos maridos.
Essa divisão que delegou às mulheres o espaço privado, da família, da reprodução e aos homens o espaço público, de produção, de governabilidade social restringiu, durante muito tempo, não só a convivência social entre os gêneros como também sua evolução.

Um salto para humanidade
Foi apenas na passagem do século XVIII para o século XIX, em função das reivindicações igualitárias da Revolução Francesa, que o Ocidente passou a discutir a diferença sexual. Até então era como se houvesse um sexo único, o masculino, considerado perfeito e superior, que servia de paradigma ao feminino.
O Feminismo, propriamente dito, só se desenvolveu no final do século XIX e início do século XX, com foco em direitos como o sufrágio. Por volta da década de 1960 alcançou o auge, com as reivindicações de igualdade e de fim da discriminação (inclusão social, trabalhista, política, etc.), principalmente nos EUA e Europa. Por fim, a última fase do movimento, iniciada na década de 1990 e caracterizada pela busca de uma interpretação pós-estruturalista do gênero e da sexualidade, é vivida até os dias de hoje.
O surgimento da pílula anticoncepcional, há 50 anos, foi um marco nesse processo. Permitiu à mulher não apenas controlar sua fertilidade e conquistar liberdade sexual com segurança e praticidade como livrar-se do estigma de ‘dona de casa’, fadada a cuidar da educação dos filhos e da manutenção do lar.
Dona do próprio corpo, com poder para escolher o momento ideal para ser mãe, a mulher se inseriu de forma crescente na força de trabalho ocupando todas as posições anteriormente destinadas somente aos homens. Fatores econômicos e culturais como o avanço da industrialização e do processo de urbanização contribuíram também para esse contínuo crescimento da participação feminina.
Nomes como Rita Lobato Lopes, primeira mulher brasileira a receber o grau de médica, Olga Benário Prestes, ativista comunista entregue pelo regime militar aos nazistas, Ana Néri, precursora da enfermagem, Bertha Maria Júlia Lutz, uma das pioneiras da luta pelo voto feminino, Benedita da Silva, primeira senadora negra do Brasil, Deise Nunes, primeira miss Brasil negra, Maria Quitéria, reconhecida como Patrono do Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro, Chiquinha Gonzaga, Tarsila do Amaral, Anita Garibaldi, entre outras, são exemplos nesse sentido para a história do país.
Embora esteja ainda em curso, a eliminação da discriminação associada ao gênero, sob todos os aspectos, além de ser uma questão de justiça social é também, principalmente hoje, uma necessidade para a manutenção do sistema econômico vigente uma vez que homens e mulheres constituem-se igualmente em força produtiva e consumidora. Além disso, constitui-se em uma verdade inquestionável, traduzida na velha máxima "a união faz a força", que a somatória das diferentes potencialidades dos gêneros masculino e femino só pode contribuir com o progresso, o desenvolvimento e a sobrevivência do ser humano.
Como se viu, as desigualdades de funções da mulher e do homem na vida em sociedade (trabalho, família, escola, igreja, prática desportiva, movimentos sociais, etc.,) sustentaram-se no aspecto histórico e cultural, muito antes do econômico. Mas essa ‘explicação’, até mesmo científica, das desigualdades de gêneros não as justifica.
Hoje se experimenta uma nova fase de possibilidades de relação complementar entre os sexos, que passa pela construção de um núcleo familiar democrático, por relações de trabalho igualitárias e culmina na formação de uma sociedade equânime para ambos. Está nas mãos de cada homem e de cada mulher a vivência plena dessa nova etapa.
(Revide Especial - Homens e Mulheres que merecem destaque - 18 abril)

2 comentários:

Edu@rdo Rabboni disse...

Não conhecia seu trabalho, parabéns pelo texto, bem escrito e atualizado. Nos brinde mais com textos semelhantes, abraços

Unknown disse...

Quanta baboseira! Lamentável...