10 de setembro de 2012

Não guardo mágoas ou arrependimentos.

O que está feito, está feito!
Ao contrário, nutro a esperança dentro de mim...

De novos dias e outras possibilidades de acerto!


 ***

O empilhador de caixas vazias


Era uma vez um menino que tinha muito amor no coração e, enquanto menino, isso lhe bastava.
Queria muito abraçar a mãe e dizer à ela o quanto a amava. Mas ela trabalhava muito e tinha pouco tempo para segurá-lo no colo e dizer a ele o quanto completava sua vida.
O menino contava contente suas peripécias do dia, coisas próprias de um menino cheio de amor e de vida, mas a mãe ralhava logo com as imprudências da infância... Sempre tão preocupada em garantir ao menino o sustento da carne e ensinar-lhe como sobreviver às dificuldades da vida, esqueceu a mãe de alimentar-lhe o espírito e mostrar-lhe a importância da alma e das coisas do coração.
O menino foi crescendo, cada vez mais cobrado, e todo amor que tinha em seu peito ficou sufocado, esquecido e empoeirado num cantinho qualquer da imaginação...
Carente da atenção e do afeto, da forma como desejava, o menino cresceu acreditando que em si se bastasse para ser feliz e que a vida não passava de luta.
Sem saber o que era o amor, fez-se um homem e, por isso, nunca soube amar uma mulher...
Sem saber o que era o amor, fez-se um pai, e, por isso, nunca soube amar os filhos...
Apegou-se aos estudos, meio que para satisfazer a mãe, meio que para fugir dela, e treinou muito para obter da mente mais do que a maioria dos homens é capaz de conseguir. Apoiou-se, assim, na razão, depositando nela toda força de sua raiva, sua descrença e sua motivação.
Virou refém de sua mágoa.
Incapaz de olhar o mundo pelas lentes do coração e de oferecer às pessoas ao seu redor o amor que havia em si, só construiu muralhas.
Impôs tantos limites para os que o cercavam, que terminou ilhado com sua solidão.
Tendo se ocupado sempre de estancar a dor que sentia, esqueceu-se da semeadura para as colheitas vindouras...
Não agregou, não construiu, não venceu(se)!
Foi apenas alguém que cresceu e envelheceu por fora, mas continuou menino por dentro.
O mesmo menino carente de sempre, sufocado, esquecido e empoeirado dentro de si, brincando de empilhar caixas vazias...
Não foi nem tão mal que não pudesse ser bom, nem tão bom que não pudesse ser mal...
Era uma vez um homem que tinha muito amor no coração, mas enquanto homem, isso não lhe cabia.
Queria muito abraçar a mulher e os filhos e dizer a eles o quanto os amava, mas infelizmente não sabia.
05 de Setembro de 2011

Viver sem existir



Há uma angústia de ser em existir
Se se desiste ou se persiste
Não importa...
Ela existe!

Vive e cresce
Feito a planta sem água no deserto
Feito a Lua no céu, ainda dia
Feito o som, na rouquidão da alma

Tece a sua teia em quem se deixa prender...

De dizer que sou de ferro
De dizer que não me nego
De esquecer que sou assim
Me rasgo, me torço, me rabisco
Vivo a vida do Alecrim
Florescendo sempre nos jardins
Sem cuidados especiais

De gritar a surdez do corpo,
De cheirar a nudez da cerne
De tocar o vazio do mundo
Me sangro, me amo, me belisco
Vivo a vida do colibri
Adaptando-me ao formato da flor
Para sobreviver

Há uma angústia de viver em existir
Se se explora ou se nega
Não importa...
Ela existe!

Domina, toma posse, e sem pedir licença
Acinzenta, azeda, afugenta
Amedronta, afronta, atormenta
Esvazia ao seu redor de todas as alegrias e virtudes

Qual um mal que não se acabe
Nem um bem que não se finde
Qual um beijo que não se negue
Nem um amor que não se firme
Qual um medo a que se entregue

Lança ao abandono absoluto
A quem se aproxima dela
Sem modéstia e sem culpa
Fazendo adormecer, sem dormir
Fazendo viver, sem sorrir
Só para restituir, reter, redimir
Só para reconstruir e, então, fazer sentir
Só para...
Existir.
(10.04.12)
Poema vencedor 2º lugar, categoria adulto, Prêmio Paulo Freire, Feira do Livro de Ribeirão Preto 2012

Angústia contemporânea



Tic-tac, tic-tac, tic-tac.
Lá se vão os segundos, sempre rápidos, sempre ligeiros, a somar os minutos e escorrer por entre as horas da vida.
O relógio é um cárcere. Limita os sonhos, aprisiona os desejos e afugenta a liberdade.
Se deixar, o tic-tac persegue o sujeito logo pela manhã. Cuspindo-lhe os minutos à cara, toma-lhe o direito ao ‘bom dia’ e ao beijo de hortelã antes do bater de porta. Segue, então, consumindo-lhe o humor ao longo do dia, principalmente nas filas, no trânsito e durante o almoço – quando parece mais apressado do que nunca. Por fim, triunfante, tira-lhe por completo a resistência, encurtando-lhe o prazer da convivência com os seus e do merecido descanso.
A angústia contemporânea é acompanhar o tempo!
Ah, o inexorável tempo...
Esse vilão, esse bandido, esse irmão, esse amigo.
Se for cedo demais na vida, o desejo é que passe depressa.
Se for tarde demais na vida, o desejo é que ande devagar.
Difícil mesmo é estar no meio, onde o desejo é explodir.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac.
Lá se vão as horas escrevendo, nas poucas horas de sono que tenho, para falar da angústia de viver correndo atrás das horas, a quem menos horas  deve ter do que eu para ler, pois o relógio não deixa.
Uma lástima, um engodo, uma farsa travestida de números.
Subliminares, nos ‘cantinhos’ da vida (no celular, no computador, na televisão, no microondas), os dígitos conduzem nossa história.
Em multiformas coloridas no pulso, feito algemas, as horas nos prendem a angustia de viver, cada minuto, sem saber por que, sem sentir para que, sem saber que... Pode ser o último!
Enfileirados, um após o outro, os segundos contam. E nós, feito bobos, zeramos o dia para disfarçar o peso.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac.
E lá se vão 86400 desperdiçados. Sem beijar quem se ama, sem dizer o que se pensa, sem fazer o que se gosta.
Tum-tum, tum-tum, tum-tum.
Lá se vão as batidas do meu e do seu coração. Descompassadas, desprovidas do bom sentido de bater.
Lá se foi a vida, lá se foi o tempo, tudo em vão.
Feito “coelhos brancos”, no País das Maravilhas, seguimos lépidos, apressados, a correr por esse mundo insano atrás do relógio da vida.
- Hãaa!!! Nossa! É tarde, é tarde, é tarde, muito tarde!
Então corra...
(10/04/12)