18 de fevereiro de 2013

Cosmovisão Yorùbá


Finalmente Paulo Cesar Pereira de Oliveira, que tantos chamam de Pai Paulo, resolveu colocar no papel uma pequena gota do conhecimento e da sabedoria que acumulou ao longo de quase quatro décadas de vivência com grandes mestres e mestras da tradição Yorùbá, preservada no Brasil a despeito da violência cotidiana da hegemonia eurocêntrica que prevalece no país desde a sua ocupação no século 14.

Adepto inconteste da oralidade e suas técnicas de transmissão do saber, o autor cedeu ao imperialismo escriba por um motivo muito nobre, contribuir para a implementação da Lei 10.639, que determina a inclusão da história e cultura africana e afro-brasileira nos currículos escolares.


Aprovada em janeiro de 2003, esta lei provocou uma corrida no mercado editorial para produzir materiais sobre a temática em questão. Entretanto, em sua maioria, na visão do autor, são produtos superficiais ou equivocados, que não contribuem efetivamente para uma nova pedagogia, que ajude a resgatar a educação nacional.


Desse esforço resultou o livro “Crônicas e Contos do Mestre Tolomi”, uma obra de contos considerada forte, profunda e ao mesmo tempo encantadora.


“Não é uma leitura para pessoas conformadas com a mediocridade e com as verdades estabelecidas. Muito pelo contrário, trata-se um livro para as pessoas insatisfeitas, que reconhecem e respeitam a diversidade da existência humana, e fazem questão de conhecê-la, sabendo que só assim terão a oportunidade de enxergar as possibilidades infinitas de transformação do status quo”, define o autor.


“Crônicas e Contos do Mestre Tolomi” é baseado na cosmovisão Yorùbá, cujos princípios, juntamente com as outras matrizes bantu e ewe fon, garantiram a sobrevivência dos afro-brasileiros a tantos séculos de ignomínia e opressão.


Na opinião do autor, quem se debruçar sobre este livro, o lerá uma, duas, três vezes, e sempre aprenderá algo novo, sobre humanidade, solidariedade, vivência comunitária, respeito ao meio ambiente e às diferenças, e muitos outros valores civilizatórios que podem transformar as pessoas em seres humanos melhores, e ao planeta também.


O livro é também uma oportunidade de aprender um pouquinho de Yorùbá, idioma falado por mais de 30 milhões de pessoas, na África, no Brasil e no mundo.


Leia a entrevista que fiz com "Pai Paulo" sobre o livro para o portal da Revide:
Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

O que é cosmovisão Yorùbá?
É a visão de mundo e dos seres humanos a partir do pensamento yourubaia, com mais de seis mil anos revelado na África e que se propagou na diáspora. Onde esse povo chegou ela é mantida e preservada. Esses valores civilizatórios, contidos nessa visão de mundo, são a grande contribuição que o livro carrega.


O que o leitor de “Crônicas e Contos do Mestre Tolomi” pode esperar do livro?
O livro tem cinco contos que traduzem um pouco da cosmovisão Yorùbá. Um deles, “Ile ati Enyian” ou em português “A criação da Terra”, que dá  a visão Yorùbá sobre a criação dos seres humanos, outro conto fala sobre o destino dos humanos, “Aynmo”, é a escolha do destino, fala sobre a parte espiritual, “Oxum e o poder feminino” aborda uma discussão de gênero e comentando como se dá essa relação dentro da cultura Yorùbá. Através dos contos, o leitor vai conhecer um pouco da origem e do contexto da cultura Yorùbá.


Algum texto que deseje destacar da obra? Algo que goste em particular?
Tenho preferência por um conto “Macu”, que possibilita uma viagem por vários aspectos da cultura Yorùbá e, ao mesmo tempo, permite conhecer a história e a geografia da própria história da África.


Algo “contra” a escrita ou apenas muito “a favor” da oralidade?
O africano tem um conceito de que a palavra tem energia, tem força e é transmissora de energia vital, para ele, perde-se essa energia coma  escrita. Mas eu não tenho anda contra. Há um pensador africano chamado Hampate que diz assim: “A escrita não é o saber, a escrita é a fotografia do saber. Saber é algo que está em nós, como uma centelha divina, que nos possibilita saber que um Baobá existe, mesmo antes de conhecê-lo.”


O que o motivou a escrever “Crônicas e Contos do Mestre Tolomi”?
Um dos últimos livros que li, voltado para a temática  da inserção da história e cultura africana e afro-brasileira nos currículos escolares. Era um livro totalmente comprometido historicamente e geograficamente e acabava reforçando os estereótipos mais do contribuindo para os desconstruir.  Sou ativista do movimento social negro, há décadas brigamos pela Lei 10.639 e hoje continuamos brigando, agora para que ela seja implementada corretamente. Falta material de apoio para esse ensino nas escolas. A academia não deu conta de transmitir isso aos professores, temos uma “enxurrada” de livros superficiais sobre o tema. Tem uma lei que obriga a ensinar, mas ao mesmo tempo não tem um corpo docente preparado. Isso me motivou a escrever


Qual a expectativa com relação aos reflexos de sua obra?
A expectativa é que ela provoque a discussão sobre duas matrizes de pensamento que estão instaladas nesse país, a matriz africana e a ocidental eurocêntrica, embora essa relação esteja hierarquizada. Daí a necessidade de se fazer uma lei para que esse pensamento adentre o espaço escola.

Dá vontade de ler o livro né...

(outubro de 2011)

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